Desap(ego)

marina pedrosa
3 min readDec 15, 2020

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Crédito: Instagram / @henn_kim

Quanto mais a vida se divide entre arte e ciência, mais eu entendo que desapegar é uma arte; e em um mundo de aspirantes a artistas, os egocêntricos e os apegados são quem pintam este quadro.

O conceito de "ego" é utilizado na Filosofia como algo que caracteriza a personalidade, comportamento e essência de cada indivíduo. Comumente, o termo "ego" também é usado para descrever a admiração de uma pessoa por si mesma.

O apego é uma ligação afetuosa — é a ideia de que gostamos tanto de algo ou alguém que não conseguimos imaginar a nossa vida sem aquilo. Na maioria das vezes, a sensação de apego não é consciente: é uma forma involuntária de pensar, agir e sentir. O apego é a nossa zona de conforto que se destrincha em coisas materiais até pessoas, ideias e momentos específicos.

Já o desapego, é o ato de sair dessa mesma zona de conforto para encontrar aconchego em outros pontos e vivências. É se libertar de certas situações, amores e opiniões para viver no presente — sem o peso do passado ou as expectativas do futuro.

Desapegar é entregar, desconstruir, transmutar. É entender que mudança são constantes, e em algum momento, todas essas variáveis causam feridas no ego.

A única forma de se curar? Deixar o ego desaparecer e permitir que o tempo transforme ferida em cicatriz.

Desapegar de coisas que poluem nossa alma é uma das sensações mais libertadoras que existem. Quando desapegamos de relacionamentos tóxicos, ambientes pesados e até mesmo da estética — a inimiga do ego — começamos a nos aceitar da forma que realmente somos. E quanto mais eu desapego, mais eu entendo que a vida é bem mais fácil quando você aprende a se aceitar.

À medida que nos libertamos da opinião alheia, nos desapegamos de ferramentas como as redes sociais. Em uma luta constante com o ego, as redes nos forçam a passar horas nos comparando aos outros. Buscando validação, ficamos apegados à necessidade de dividir tudo que vivemos. Ferido, nosso ego se vê na obrigação de compartilhar, distorcer a realidade e mostrar aos outros o quão interessante a nossa vida é. Desapego é aprender que, muitas vezes, momentos especiais são especiais, porque são, justamente, só seus.

Quando a vida nos força de repente a desapegar de coisas e pessoas que amamos, este processo se torna mais difícil. Nosso ego, em choque, luta para compreender porque é tão doloroso deixar para trás o que nos faz bem.

Se desvencilhar de memórias doces é um procedimento amargo. Reconhecer que, às vezes, até as nossas pessoas favoritas podem sugar nossa energia, é agridoce. Seguimos todas as instruções mas a receita não dá certo: podemos ter todos os ingredientes corretos, mas quando se erra na dosagem, o sabor das experiências sempre muda.

Desapegar é entender que a vida é cheia de amores impossíveis, padrões inatingíveis e histórias que não se encaixam na nossa — por maior que seja nossa vontade de vive-las. Coragem, às vezes, é desapego. É deixar pra trás até o que a gente quer ver florescer. É entender que pra quem vive à flor da pele, nem tudo são flores, mas tudo é semente; e tudo sempre floresce de novo, quando plantado e bem cuidado em outro jardim.

Desapegar é reconhecer, renovar, ressignificar. É compreender que reestruturar é tão importante quanto construir a própria base. É re-priorizar e lutar contra nosso próprio ego pra por a gente em primeiro lugar.

Desapego é muito mais sobre escolher do que procurar. É traçar novos caminhos para encontrar a si mesmo, é se perder para se encontrar.

E é sempre quando eu me encontro que percebo: é um infinito desapego esse abandono do meu ego.

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