Em Busca de Palavras

Na Estrada

marina pedrosa
3 min readJun 15, 2020
Crédito: Pinterest

De todos os encontros que a vida proporciona, os meus favoritos ainda são comigo mesma. Desde os encontros marcados com meus devaneios — os que me perco para me encontrar — aos que fico presa no trânsito dos meus pensamentos e sinto que sou em excesso. E para quem sente em demasia, talvez tudo seja melhor assim mesmo: em excesso.

No infinito vai-e-vem da vida, quanto mais trilho rotas excêntricas, mais entendo que o caminho importa mais do que o destino. Quando se tem o espírito em expansão e um desejo incontrolável de viver, as jornadas seguem — improvisadas e provisórias — com infinitos e breves instantes de perdição e sede para desbravar os obstáculos do percurso.

O tempo passa e andamos pelo mundo, conduzindo ou sendo conduzidos, ora sem rumo, ora certos do nosso destino. Mas na estrada, tudo é impermanência, e para quem sempre está em movimento — seja seguindo o fluxo ou na direção contrária — a jornada mais desafiadora é a procura de sentido.

Navegamos, perdemos a saída, entramos na contramão. Ás vezes paramos para abastecer ou para conhecer novas regiões, mas em toda parada, de alguma forma, absorvemos aprendizado. Partimos com ou sem planos, mudamo-los no meio do caminho e em alguma esquina da vida, descobrimos que liberdade vem do instinto — que somos mais leves quando nos emancipamos de expectativas, que o anseio por nos decifrar e decifrar o mundo é inevitável, que a vontade de fugir e jogar tudo para o alto sempre existirá. Entre encruzilhadas e curvas sinuosas, deduzimos: por mais efêmero que seja, talvez valha a pena se arriscar por algo que faz a pele arrepiar.

Com o pé na estrada, percorremos novas avenidas, nos encontrando e encontrando outros. Dos muitos que passam pelo nosso curso, alguns seguem, poucos ficam, outros vão e voltam. No fluxo do tempo, encontros naturalmente também se tornam despedidas. Quando caminhos se cruzam, pegamos carona no destino dos outros e com essa mesma fluidez, vem a certeza: pessoas vêm e vão, mas em vão, ninguém vem.

Tanto nas rodovias quanto na vida, somos e sempre seremos atropelados pela transmutação do tempo. E não será a primeira nem a última vez que essa maleabilidade se revelará. A sacada é compreender, o quanto antes, o valor de ser passageiro. Tudo — estradas, sentimentos, vontades, pessoas — passa, e de vez em quando é necessário traçar novas rotas. Os momentos em que a passagem causa um reajuste no foco, nos obrigando a repensar o sentido, são os mesmos onde nos situamos na jornada — revendo os buracos na estrada para evitá-los no trajeto ao destino final.

Em busca de um norte, aceleramos, esquecemos de frear e no meio das paisagens embaçadas na janela do carro, nos questionamos: será esse o sentido certo? Qual o melhor caminho? O que importa mais: velocidade ou direção? Viver em movimento demanda leveza e talvez mudar de curso algumas vezes seja necessário até encontrarmos uma trajetória que nos traga tanto segurança quanto espaço para ser vulnerável. O equilíbrio, enfim, é algum lugar entre a direção correta e a velocidade adequada, onde nos permitimos ajustar o itinerário sem passar batido por saídas importantes.

Toda vez que completo uma viagem, concluo: o essencial é explorar diferentes rotas mas sem perder o rumo nem esquecer de onde viemos e aonde queremos chegar. Só quando os cenários viram cores difusas no horizonte, percebemos a necessidade de completar percursos, de virar páginas, fechar ciclos, de sentir saudades dos caminhos passados. Afinal, vivenciar a ausência e experienciar o fim são as únicas maneiras de realmente fruirmos dos encontros que a vida proporciona.

Na busca de sentido, sempre vamos nos deparar com novos caminhos, atalhos e destinos que mal sabíamos da existência. E claro, quando se viaja por estradas desconhecidas, há sempre a chance de acabarmos em uma rua sem saída, no topo de uma montanha ou no fundo de um poço.

Chegar no topo sempre traz confiança e convicção mas não significa que é necessariamente o fim da jornada — afinal, para conquistar novas montanhas é preciso estar em movimento. E pra quem chega ao fundo do poço, é sempre bom relembrar: o fundo também é o melhor lugar para se tomar impulso.

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