Nau-frágil

Em busca de um horizonte distante, já me afoguei em mágoa, em dor e em medo. Mas toda vez que navego meus próprios mares, sinto que a vontade de viver é a que sempre me inunda. Talvez por isso tenha nascido com pulmões de sereia: quanto mais fico debaixo d'água — seja mergulhando ou me afogando nas minhas próprias profundezas — com mais ar e sede eu volto à superfície.
Navegando em minhas margens, sempre sigo rumo à algum sentir. Entre tantas ondas e águas passadas, entendo enfim que naufragar não é só afundar em seu próprio abismo — também é entender seu próprio peso.
Nunca foi segredo que aqueles que sentem mais, têm desejo de profundidade. E assim se cria um divisor de águas: pessoas profundas, constantemente mergulham de cabeça no que a vida oferece, e pessoas rasas, apenas molham os pés evitando nadar contra a correnteza. Ser uma pessoa rasa é como viver em um aquário — preso e limitado pelo seu próprio ambiente, estático, confortável em águas dormentes. Numa vida rasa falta ambição, disposição e curiosidade para conhecer outros mares, outras praias, outros peixes. Falta a vontade de navegar e mergulhar na própria intensidade.
Pra quem é profundo até demais, às vezes falta chão. Na busca de tesouros perdidos, mergulham sem colete salva-vidas, movidos por impulso e emoção, apenas para realizar um sonho ou apreciar um instante. O que importa é sempre alcançar o âmago — fazendo tudo de dentro para fora, de forma vulnerável, procurando significado, textura e alma.
Profundidade é sempre alma. É espírito, intenção, é substância. É saber permanecer na impermanência, descobrir como fincar sem sufocar. É entender com os momentos que não é sempre preciso correr contra o tempo. Profundidade é procurar o que acrescenta até transbordar por estar tão completo. É encontrar intimidade em novos encontros, e entender que intimidade não é tempo, nem sangue, nem momento — é só a consequência de energias com a mesma essência.
Ter noção da própria profundidade é saber ancorar-se à si mesmo para não perder o chão. Quando se navega por mares desconhecidos, âncoras são necessárias — são o vínculo entre a terra e o mar, o elo que traz segurança e amparo, nos prendendo quando chegamos perto de nos perder. Afinal, para ser profundo, é preciso imergir mas também saber desembarcar.
Em meio de águas cristalinas, veleiros são levados pelo vento, a lua dita a maré e eu percebo que prefiro me afogar na minha profundidade do que deixar o barco à deriva. Em alto mar, no meio de uma tempestade ou na maré baixa, sempre me encontro nas profundezas dos meus pensamentos.
E assim acontece o meu nau-frágil: em uma praia deserta, assistindo o brilho da lua se fundindo com as cores do amanhecer enquanto compreendo que profundidade também é compromisso: é se permitir ficar preso ao que te liberta.