Zero/Dois/Zero/Oito

marina pedrosa
5 min readJul 3, 2023

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Crédito: Irem Aysu

Passei o dia todo me relembrando que daqui 30 dias eu faço 30 anos. E nos últimos meses, tenho me relembrado disso (e a todos à minha volta) com frequência. Como se no dia 02/08 algo extremamente drástico fosse acontecer — uma atualização no meu sistema, minha pele imediatamente envelhecendo, o meu cérebro implodindo, o começo de uma nova era, ou o fim da minha juventude. Ainda falta um mês… mas a minha intuição me diz que nada, e tudo, vai acontecer ao mesmo tempo.

Falam que a chegada dos 30 anos é realmente um marco. Mudanças internas, externas, em todas as esferas da vida — é inevitável começar a agir, reagir, pensar, raciocinar, respirar e viver de outra maneira.

Os 30 ainda não chegaram, mas já trouxeram uma nova sensação de clareza — um rastro de luz que aparece ocasionalmente, como uma estrela cadente, me relembrando do poder da metamorfose, ano após ano. Alguns chamaram de maturidade, senso de responsabilidade, ou equilíbrio… mas os quase-30 trouxeram o que precisei e procurei a vida inteira: paciência para confiar nos processos. Uma mistura de calmaria, caos organizado, fluidez e persistência para compreender que é a dor e o sofrimento que nos conduzem durante as maiores transformações.

Meus pensamentos têm me orbitado com questões poéticas, filosóficas e banais. Como luas, em fases crescentes, minguantes, novas e cheias — eles costumam aparecer cheios de sentimentos: curiosidade, entusiasmo, euforia, medo, desespero, nostalgia. Como se logo antes dessa trigésima volta ao sol, minha mente tivesse resetado a ponto de identificar todos os erros feitos no passado, para assim, não repetí-los, e deixá-los para trás.

Não que o passado tenha sido ruim — longe disso, diga-se de passagem — mas o passado carrega e imortaliza uma Marina que já não existe mais. E com essa Marina, automaticamente vem o peso, os questionamentos, a ansiedade e uma certa parcela de culpa. Olhar para trás é um exercício complexo e sensível: abraçar, entender e aceitar uma parte imatura de nós que se virou com o que sabia, se machucou, se feriu, machucou os outros, brincou com fogo, se queimou, e ultrapassou quase todos os seus limites. No ápice e efeverscência da juventude, do delírio, da intensidade e da irresponsabilidade, os meus 20 anos são recheados de aventuras, vivências e histórias que eu não trocaria por nada — mas também carregam um volume pesado de ações, inseguranças, emoções e decisões (questionáveis e mal-resolvidas) que já não conversam com a Marina do presente.

Até por isso os tão esperados 30 anos me excitam a ponto de eu não parar de pensar sobre eles: deixar os 20-poucos para trás é quase que um ritual de passagem, um sacrifício ou uma abertura de portal. É vital para um novo ciclo. É necessário para crescer — e ironicamente, apesar das minhas paranóias crônicas, crescer nunca me assustou. Ouso dizer que sempre foi um belo combustível para os meus sonhos. E ver e sentir os meus sonhos se realizarem tão de perto com o passar dos anos, têm, na contra-mão de tudo isso, deixado o meu espírito e alma cada vez mais jovens.

De uma forma, começar essa nova década é encontrar um jeito inédito de se libertar — seja de uma versão de mim que já não existe mais, de padrões que não fazem mais sentido, ou para encontrar ainda mais espaço para ser livre, pelas minhas próprias linhas.

Agosto enfim, vai chegar, como sempre chega, e o que restar dessa Marina do passado, vai atravessar as barreiras do tempo, com cuidado, para se manter vivo em essência.

Enquanto eu ainda me encontro no limbo dos 29 anos, sigo me relembrando de todas as fases, ciclos e jornadas que me trouxeram até aqui. E curiosamente, já percebo que daqui para frente, os caminhos serão outros, porque a bússola também vai mudar. No começo deste ano, uma amiga sábia, daquelas bem bruxinhas que parece prever o futuro, já havia me dado a letra: a sua autodisciplina tem que ser, e será, o seu novo Norte.

E nesse ano vivendo no meio-termo entre os 20 e os 30, tenho descoberto o poder da autodisciplina, da permanência, da repetição e principalmente — de escolher o que quero repetir. E para alguém que passou uma adolescência inteira fugindo o máximo que dava da disciplina, ressignificar esse conceito têm sido uma das mais potentes transformações internas.

Aos 20, eu renegava qualquer coisa que envolvesse seguir regras, métodos ou obediência. Acreditava que a felicidade beirava sempre o caos, a desordem, a inconsequência. Aos 30, encontro novos níveis de conforto e satisfação nos momentos de repetição — e sorrio para mim mesma toda vez que me pego cumprindo minhas tarefas, promessas, deveres e rotinas.

A autodisciplina tem me fortalecido, me auxiliado a construir o futuro que desejo, e de quebra — me permitido sentir, na prática, o nascimento de uma nova versão de mim mesma. Adiantados ou não, os 30 anos já trouxeram uma mistura de responsabilidade emocional, empatia, e mais compaixão comigo mesma. Como se eu tivesse aprendido a me perdoar pelo o que já foi feito e vivido, e com isso, reinterpretar os meus sentimentos e os dos outros.

A única coisa que os 30 anos ainda estão me devendo, é uma segurança maior com a passagem do tempo. Como pode tudo se desdobrar tão lentamente e passar tão rápido, tudo ao mesmo tempo? Como não se perder nem na efemeridade, nem na infinitude do tempo? Como criar consciência do tempo — passado, presente e futuro? Como não ser simplesmente… atropelada pelo tempo? Como achar tempo para fazer tudo que é preciso? Como conseguir compreender tudo que nos atravessa de forma tão violenta, ainda que às vezes sensível e frágil, em tempo? Porque só em retrospectiva entendemos nossos erros e acertos? Como observar, sentir, acompanhar, e eternizar o tempo da melhor maneira?

Mas os quase-30 também tem me ensinado que o tempo é incontrolável, indecifrável, uma incógnita que tem vida e vontade própria. Então entender melhor essas questões aqui… acho que só nos 40 ou 50 mesmo.

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